Cavacos das Caldas
CAVACOS DAS CALDAS II

DICIONÁRIO GRÁFICO BORDALIANO

alguns livros, cerâmicas, belos gatos e algo mais...



segunda-feira, 4 de junho de 2007

52.ª Página Caldense

DIÁRIO (I-VIII)
MIGUEL TORGA

"Caldas da Rainha, 1 de Setembro de 1939

O dia foram estas horas intermináveis dos tratamentos e dos arrefecimentos depois deles na sala, a ouvir a história doméstica de metade de Portugal (a outra metade já ouvi o mês passado em Monte Real). É espantosa a tendência do português para a promiscuidade! Chega a umas termas, senta-se, volta-se para o vizinho da direita e, sem dizer água vai, conta-lhe a vida. Hoje escutei tais coisas a uma viúva asmática, que me esqueci da garganta, da pneumonia possível, de tudo, e saí desvairado para a rua a encher os ouvidos e a alma da intimidade do silêncio."
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"Caldas da Rainha, 7 de Setembro de 1939

Óbidos. A quinta humana mais bem cercada que a Idade Média nos deixou."
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"Caldas da Rainha, 11 de Setembro de 1939

PAZ

Calado ao pé de ti, depois de tudo,
Justificado
Como o instinto mandou,
Ouço, nesta mudez,
A força que te dobrou,
Serena, dizer quem és
E quem sou."
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"Caldas da Rainha, 12 de Setembro de 1939

François Villon no cinema. O filme é bastante mau, mas que maravilhosa coisa é ter tido um Poeta assim! Eu cá, pelo menos, sou por ele. A roubar, a matar, a jogar às escondidas com a forca, a amar perdidas e honestas, - sou por ele. No fundo, no fundo, entre um honrado cidadão e um bandido que seja Poeta a valer, sempre vou pelo Poeta. Sempre deixa um «Testamento» depois da morte..."
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"Caldas da Rainha, 14 de Setembro de 1939

Tinha começado o dia desta maneira:

Não me digam que não, que não sou eu
Este que vive aqui ao lado dela...
Este que certo dia amanheceu
Com a luz de outra vida na janela...

E afinal acabei-o como dantes, torturado, perdido na minha solidão."
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"Caldas da Rainha, 15 de Setembro de 1939

As Fusées de Baudelaire. Decididamente, não pertenço a semelhante raça. Aquilo, de resto, não é nada, a não ser o fígado a dar sinais de si. Ao pé de um Tolstoi, de um Morgan, de um Rilke, coisas assim parecem realmente vómitos biliosos."

Miguel Torga

[Coimbra, 1995. 2 Volumes. Edição cartonada. Execução Gráfica G.C. - Gráfica de Coimbra.]

Esta página caldense é especialmente dedicada aos meus visitantes/leitores da região de Aveiro.

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Comentários:

J. Serra disse...
Magnífica descoberta essa, a de um Torga a banhos nas Caldas em 1939. Merece um Café Literário (reconstituir o ano termal nas Caldas, lembrar Torga, reler os seus poemas). Vamos a isso?
5 de Junho de 2007 0:49

Isabel Castanheira disse...
Fico muito satisfeita por te dar a conhecer um facto caldense até então desconhecido para ti.É uma boa ideia; Vamos trabalhá-la. Cafés, recordações, poesia e Torga, que falta? Isabel
6 de Junho de 2007 10:10

2 comentários:

Anónimo disse...

Magnífica descoberta essa, a de um Torga a banhos nas Caldas em 1939. Merece um Café Literário (reconstituir o ano termal nas Caldas, lembrar Torga, reler os seus poemas). Vamos a isso?

Isabel Castanheira disse...

Fico muito satisfeita por te dar a conhecer um facto caldense até então desconhecido para ti.
É uma boa ideia. Vamos trabalhar a ideia. Cafés, recordações, poesia e Torga, que falta?
Isabel