Manhã escolhida, louça…
Alaga o sol a praça inteira
Já palco de arraial e feira,
Chão de horta e pomar, jardim…
E dou comigo a falar para mim:
- É, é… É o típico rural,
Velho-relho e sempre novidade,
Certo, certinho, aqui, neste local,
Aqui, surpresa, ao centro da
Cidade …
Cafés, bancos, lojas variadas,
Prédios de vária cor e porte,
Tantos de má cara, cara feia,
-Fachadas mal pintadas –
Talvez de boa vida
Mas dignos de má morte
-Ou merecem outra sorte ?-
Eis a moldura desta praça
Um tabuleiro, rectângulo vulgar,
Praça de basbaques, pasmaceira,
De passeios digestivos (e de amor…)
Assim mesmo bonitinha, buliçosa
Sala de visitas e … e tonta
Quadrilheira
Famosamente famosa…
Ora ei-la já tapete, colorida,
Gente a formigar, os olhos postos
Nas couves, nas laranjas, nas
Batatas,
Tensos em preços, qualidades, luta
Da compra e venda, diária disputa…
E eu a olhar aqueles rostos,
A beber, meio distante, o
Espectáculo,
Paisagem desfeita em paisagens,
Teatro inteiro vivo em mil
Imagens…
Olho os saloios… Nada picturais,
Semblantes secos, toscos, baços,
Egoístas, calculistas,
Terrenos, incolores, muito iguais…
Olho tudo. Busco tudo. Quero mais!...
Busco formas e cores de Malhoa
E almas, em frontes e perfis,
Almas próprias, ares, luzes,
- Essas que vêm de dentro até à pele –
Planos, perspectivas, emoções,
E, entre os sons, em vão, pregões,
Pregões dos campos, dos canteiros,
Os ditos de sabor pelos carreiros,
Ou risos, gargalhadas francas,
Uns gracejos, derretes, gritos moços,
Brigas de cores, gestos de bulícios,
Místicas pagãs, alvoroços,
Mas, do que busco, há pouco: só
Resquícios…
No entanto, não me tirem estas vistas,
Vistas de postais sem artifícios,
O oirinho desta praça só aspecto.
Leve clima mas clima original,
Do meu vagar, enigma formoso,
Recreio distinto, matinal,
Conforto sedativo e tónico gostoso…
Não me tirem esse encanto…
Estes saloios mercenários, pastores
De frutas, couves, flores…
Estas cenas vicentinas
Dos e tercetos de comadres
Olhantes, murmurantes,
Casquinando viperinas…
Estes amoricos de cravos e rosinhas
Enleados, enleados,
Eles cavaleiros, elas princezinhas…
Estes nédios napolitanos
Certos aqui, certos além, compadres
De ar solene, soberanos…
Esta estranja loira, aventureira,
Multilingue, multiforme,
Que pára, pasma, filma, fotografa
A Praça para si enorme
Coisinha feiticeira…
E a lusa ralé, olá
De toda a rosa dos ventos
Sabida finória, que vem cá
Gaiteira, alvoraçada,
E vai cheia do que pode, inchada,
Como se as famílias fossem
Regimentos…
E enfim a graça, graça auroral,
- De crescer água na boca –
De certa fruta viva, ondulante,
Fruta que na Praça se desloca,
Sumarenta, doce, aliciante,
Ou que perto paira, por janelas,
Descendo olhares Oh, quadradinhos…
Aos mocinhos esparrelas…
Afinal, curiosas conclusões:
Sob um tecto fino, azul toalha,
Impera aqui a Poesia,
Impera em nadinhas, em poalha,
Em chuva miudinha de aguarelas,
Mas… Céus! Quem tal diria!...
É uma poesia de comércio,
Uma poesia a dar dinheiro
Em fio certo, bom caudal,
Dinheirinho, hei, o feiticeiro,
Poesia século XX, afinal…
A Praça assim é que vale!
Sou dos desta teoria!
Vejo pouco? Vejo mal?
Saiba quem lê quem escuta:
Pois contei como a via,
Nesta clara descrição:
É isto a Praça da Fruta,
Esta a minha opinião…
Ah! Não! Não! Isto é um esquema,
Mármore meu dum próximo poema.
Luís Rosa Bruno
Gazeta das Caldas, 12 de Novembro de 1957
[Ao Joaquim Saloio, sempre generoso na cedência da sua colecção de postais, os meus agradecimentos.]
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Comentários:
Maria disse...
Não conhecia este texto...Foi preciso chegar ao oitavo postal para ver, lá ao fundo, o prédio onde nasci..Como era diferente dos tempos de hoje, a praça da fruta...Um abraço
10 de Junho de 2007 2:02
Luis Eme disse...
Brilhante...
10 de Junho de 2007 21:07
2 comentários:
Não conhecia este texto...
Foi preciso chegar ao oitavo postal para ver, lá ao fundo, o prédio onde nasci..
Como era diferente dos tempos de hoje, a praça da fruta...
Um abraço
Brilhante...
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