"Por falta de noticias recentes, cuidamos que a oficina fábrica que o Mestre Rafael Bordalo Pinheiro fundou nas Caldas da Rainha em 1884 já não existia; julgávamos que as suas belas caricaturas em cerâmica haviam sido destruidas pelo tempo; que da sua obra apenas restava uma saudade e um museu em Lisboa. Estivemos no principio deste mês nas Caldas da Rainha - cidade alegre da Estremadura - e fomos de romagem ao local onde o Mestre instalou a sua primeira oficina, para ver os últimos vestígios da sua escola ... e surpreendeu-nos ver funcionar com toda a actividade as secções que o Mestre fundou há 70 anos, tal como se ele tivesse saído para o campo, por momentos, em pesquisa de novos motivos na fauna e na flora da região.
A preparação do barro, a moldagem das célebres jarras de motivos clássicos, a pintura das figuras populares do fim do século XIX, a esmaltagem brilhante como vidro, dando realce às cores que só o Mestre conseguiu empregar no seu tempo, todo o aspecto duma escola de cerâmica nitidamente portuguesa, criada por um incomparável artista, continuam a ter vida própria no mesmo local onde nasceu, com as mesmas características de outrora, criando e divulgando as anedóticas figuras que não têm concorrência em qualquer outro país.
O motivo por que não nos têm chegado notícias das faianças artísticas de Bordalo Pinheiro explica-se pela exportação quase total de produção da fábrica, actualmente orientada por um grupo de figuras de destaque nas Caldas da Rainha que mantém com muito carinho uma das mais notáveis indústrias regionais - a única que possui os autênticos modelos criados pelo Mestre.
Sentimos então extraordinária alegria ao revivermos as impagáveis figuras de movimento que fizeram parte integrante das casas de jantar dos nossos avós; o polícia de enorme chanfalho e bigodeira, o moço de forcado elegante e fanfarrão, a rosada ama com todos os seus volumes, o sacristão de bochechas salientes, o eterno Zé povinho barrigudo, o arola chegado do Brasil cheio de ouro e de patacas, o archeiro da Casa Real e quantas figuras que se tornaram célebres em Portugal, e actualmente são adquiridas e disputadas no Canadá, no Brasil e em Espanha.
Os mais recentes modelos são do artista coronel Vasco Lopes de Mendonça.
Contudo a faiança das Caldas não está unicamente limitada à fabricação dos bonecos; as folhas de arbustos e de hortaliça transformadas em peças de utilidade têm muita procura e são deveras apreciadas nos hóteis de grande luxo da América do Norte, depois de uma importante exportação realizada em Chicago (U.S.A.).
A verdade é que as loiças, criação de Rafael Bordalo Pinheiro contnuam a ser divulgadas por terras estranhas: estiveram há poucos meses numa exposição em Boston (Canadá) e criaram fama; foram admiradas na ultima exposição internacional de Barcelona (Espanha) e as encomendas duplicaram; nalguns estabelecimentos do Rio de Janeiro (Brasil) estão sendo esgotadas as últimas peças enquanto o governo brasileiro não facilitar a sua exportação.
A célebre indústria criada pelo génio de Rafael Bordalo que nós julgavamos extinta, dificilmente consegue cumprir as encomendas vindas de todo o mundo."
A.S.B.
[Flama. Revista Semanal de Actualidades. Ano VIII - n.º 178 - 3 de Agosto de 1951. Preço: 2$50. Redacção e Administração: Rua de Santa Marta, 48. Lisboa. Propriedade da União Gráfica S.A.R.L.Imprime-se na União Gráfica e na Neogravura, Lda. Director-Editor: Mário Simas.]
Sem comentários:
Enviar um comentário