Cavacos das Caldas
CAVACOS DAS CALDAS II

DICIONÁRIO GRÁFICO BORDALIANO

alguns livros, cerâmicas, belos gatos e algo mais...



segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

237.ª Página Caldense


AUTORES
BOLETIM DA SOCIEDADE DE ESCRITORES E COMPOSITORES PORTUGUESES

O "ZÉ POVINHO"
O pai dos "Zés", compères de revista

"José Peres, nascido em Abrantes nos fins do primeiro quartel do século XIX, pertencia a uma família modesta; não seguira estudos; mas possuia qualidades de trabalho e um sentido prático da vida que lhe conferiam uma situação relativamente preponderante no seu meio. Lavrador, negociante, empreiteiro de obras públicas - em Abrantes e arredores toda a gente o conhecia. O seu próprio tipo físico - atarracado, tronchudo, face larga, barba à passa-piolho, chapéu braguês, jaquetão de saragoça, cinta vermelha - tornava-o inconfundível. Ora, um belo dia, o nosso José Peres tomou conta de uma empreitada pública; mas, terminada a obra, a respeito de ver o dinheiro nada. Pediu, insistiu, até que resolveu vir a Lisboa falar directamente com o ministro das Obras Públicas, o conselheiro António Cardoso Avelino, que era seu conhecido. Desembarcou na Estação de Santa Apolónia e dirigiu-se ao Terreiro do Paço. Como o ministro não tivesse chegado ainda, decidiu esperá-lo debaixo da Arcada, junto ao portão de aceso ao Ministério e, para maior comodidade, sentou-se na cadeira de um engraxador que ali estacionava. Bordalo Pinheiro era então - ele, o grande artista! - simples amanuense da Secretaria da Câmara dos Pares, coincidiu ir ao Ministério das Obras Públicas levar uns documentos destinados a uma das repartições e, ao atravessar a Arcada, deparou com um vulto tronchudo, sentado na cadeira do engraxador, a enrolar um cigarro, com um grosso marmeleiro ao lado. Num relance, Bordalo fitou-o da cabeça aos pés, murmurou de si para si "Que bom tipo!" e galgou o portão do Ministério. Quando voltou, o homem continuava no mesmo sítio e Bordalo meteu conversa com ele.
[...]
Bordalo afastou-se, mas a figura daquele homem que o destino colocara, inesperadamente, no seu caminho, jamais se desprendeu do seu espírito. Instintivamente - maravilhoso o instinto dos verdadeiros artistas - "sentiu" que estava ali, não apenas uma figura pitoresca, mas um tipo característico.
[...]
No segundo número da Lanterna Mágica, após o encontro de Bordalo com José Peres, surgia, pela primeira vez, em esboço, o tipo do "Zé Povinho".
[...]
Desde aí o "Zé Povinho", com a sua face larga e risonha, a sua barba à passa-piolho, o seu chapéu braguês, a sua jaqueta de briche, o seu ar ao mesmo tempo caturra e paciente, pé de boi e filósofo, nunca mais deixou de acompanhar a obra satírica de Bordalo. Teria sido, de facto, a figura do "Zé Povinho" inspirada, se não psicologicamente, pelo menos fisicamente, pela figura do Zé Peres, de Abrantes?" [Páginas11 a 14][Artigo não Assinado]

[Autores. Boletim da Sociedade de Escritores e Compositores Portugueses. Director: Luis de Oliveira Guimarães. Redacção e Administração: Avenida Duque de Loulé, 111 - 1.º - Lisboa. Número 64. Ano XIV - Julho - Agosto de 1972.]

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