No final do ano passado foi publicado um livro cujo título é: “Livros de mais, Ler e Publicar na Era da Abundância”.
Nunca um livro foi mais actual, com a particularidade de o título retratar uma situação que é vivida no dia a dia de qualquer livraria.
O autor, Gabriel Zaid, vive na cidade do México com a artista Basia Batorska, três gatos e dez mil livros.
Antes de ter lido o livro senti logo uma grande afinidade com o autor.
Tal, deve-se à particularidade de também viver com gatos, de estar rodeada de milhares de livros e principalmente, de me preocupar com o facto de haver livros de mais.
“Nasce um livro de trinta em trinta segundos”, informa o autor.
Certamente que cá em Portugal a média não é esta. Não sei qual é.
Claro está, que li este livro. E a sua leitura suscitou-me algumas considerações enquanto livreira, e relativamente ao mercado do livro em Portugal.
Umas das minhas preocupações é sem sombra de dúvida a quantidade desmesurada dos livros publicados entre nós.
E isto porque:
- Não chego a tomar conhecimento dos inúmeros títulos que diariamente saem para o mercado; se há editores que dão a conhecer as suas publicações, outros há, talvez devido à sua dimensão, que acreditam nos dotes adivinhadeiros dos livreiros;
- Como resultado dessa atitude, ou os seus títulos são falados nos média, e aí tornam-se conhecidos, ou então passam para o limbo dos títulos desconhecidos;
- E esta situação acentuou-se com a possibilidade de publicação “a pedido”;
- E da oferta que nos é feita, que livros escolher? Dado o facto impossível (tanto sob o ponto de vista económico, como logístico) de encomendar todos os livros que são publicados, que critério aplicar na sua selecção? O título mais comercial? O autor de nome mais sonante? O mais “intelectual”? O mais barato? O mais caro? O que oferece mais desconto? O da capa ais apelativa? Utilizar a técnica do “achamento”: Eu acho que? …
- Depois temos outro problema: os custos dos portes, que se estão a tornar incomportáveis; não esquecer que a minha realidade não está localizada em Lisboa, ou Porto, onde a entrega de livros é frequentemente feita num curto espaço de tempo e directamente pelo editor/distribuidor;
- Tempo de entrega das encomendas? Temos de tudo; desde a entrega no dia seguinte ao pedido, até … quando chegar logo se vê;
- Quando um determinado livro é sujeito a uma grande procura, por vezes certas livrarias fazem encomendas muito significativas, e pura e simplesmente deixa de haver mais livros para distribuição; mais tarde aparecem, resultante de devoluções;
- Este parágrafo é inesperado; então queixo-me que há livros de mais, e depois não tenho livros para vender? Mas é um facto; incongruências do mundo livreiro…
- Eis que os livros chegam à livraria, onde é necessário efectuar todo um trabalho de carácter administrativo: conferi-los e marcá-los, fazer uma ficha bibliográfica; todos nós sabemos que o Livreiro é por principio um individuo possuidor de uma certa cultura (será?); mas daí a saber classificar todos os livros quanto ao assunto versado, vai uma grande distância; porque não trazem uma pequena ficha técnica à semelhança da generalidade das edições estrangeiras, de onde consta a classificação do assunto?
- Agora torna-se necessário arrumá-los; torná-los visíveis aos olhos de um potencial cliente é a nossa intenção; como consegui-lo sem anular a visibilidade dos livros recebidos ontem? E isto considerando que nem todas as livrarias são da dimensão de um estádio de futebol (só que com muito menos espectadores…)
- E depois, vendê-los? Trabalhamos para um nicho de mercado, menos de 50% da população portuguesa, compra 1 livro por ano. Qual a percentagem de livros comprados dos muitos que semanalmente são postos no mercado? Alguém sabe?
- Livros há que recebo x exemplares; 3/4 meses depois continuam os mesmos x exemplares. Pergunto: falta de visibilidade? Título não atractivo? Autor desinteressante? No mínimo, uma (minha) má compra.
- Mais um elemento: a moda de publicar por quem está na moda. O facto de se ser visível, de aparecer, não quer dizer que tenha algo a escrever. Mas por aqui não quero entrar; a qualidade de muitos livros publicados – é a qualidade mensurável? com que critérios? - deixa muito a desejar.
- Será viável uma política de publicação desenfreada, em que o objectivo é a ocupação de espaço comercial, e não quebrar de modo algum a cadeia de publicação em cascata?
Estas são algumas considerações – básicas e exclusivamente profissionais – que me suscitou a leitura de “Livros de mais. Ler e Publicar na Era da Abundância”.
Uma certeza tenho: no mundo da edição estamos a viver acima das nossas possibilidades, mesmo assim, não satisfazendo as nossas necessidades, pois inúmeros títulos de obrigatória publicação, estão esgotados.
Já nem ouso referir o facto de tanto papel gasto inutilmente...
Serão estas as considerações atabalhoadas de uma livreira que não sabe o que há-de fazer a tantos livros?
Será o desabafo fracassado de quem não conseguiu publicar um único livrito?
Será que o cemitério dos livros criado por um autor muito em voga existe mesmo? Não me custa em crer.
Será o desejo íntimo de um ano editorial diferente para 2009?
É, sem dúvida.
PS: não existe qualquer semelhança entre o que aqui ficou escrito e o conteúdo do livro mencionado.
3 comentários:
... e não falas dos blogueiros que editam. Com mais ou menos (ou nenhuma) qualidade, com mais ou menos erros de Português... nem valerá a pena entrar por aí...
Ressalvo blogueiros que editam e que têm, na minha opinião, muita qualidade! Há de tudo...
Gostei de ler!
Um bom ano para ti
e
acho que gostarás deste espaço
http://librairie-loliee.blogspot.com/
Adorei a reflexão. Dá que pensar, principalmente a quem se interessa por ler e por escrever
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