“Havia uma secreta intenção de suborno, por parte do soberano, na liberalidade com que distribuía riquezas por igrejas, por conventos, por imagens. Tratava-se do mesmo equívoco em que ainda hoje vivem muitos crentes, de que basta adular os santos ou o próprio Criador com valiosas prendas para se obter uma protecção muitas vezes imerecida. D. João V julgava enganar a Deus, esquecendo-se de que, pela sua própria doutrina, Deus lê claro em todas as consciências e não há possibilidade de ludibriá-lo nem com basílicas de Mafra, nem com esmolas de pedrarias raras e ouro do Brasil.
As Caldas da Rainha também sacaram algum proveito da enfermidade do Magnânimo, só porque os médicos lhe recomendaram os afamados banhos daquela estância, que ele passou a frequentar todos os anos, pousando ali uma temporada com a família real e toda a corte. Estas deslocações periódicas de uma verdadeira multidão de luxo, seguida de uma numerosa comitiva de criados, custavam rios de dinheiro, ninharias a que o monarca se mostrava indiferente, como de costume. Além disso, aproveitava sempre o ensejo de para insistir na prática das suas liberalidades, conforme nos conta o seu admirador frei Cláudio da Conceição:
«Foram muitas as esmolas que D. João V deu no tempo que se demorou nas Caldas, não só aos pobres particulares que de todos aqueles contornos acorriam a ele, com petições abonadas pelos párocos, mas aos conventos circunvizinhos e mais igrejas […]. Deu ricos ornamentos para a igreja das Caldas e mandou renovar os altares, deu-lhe também uma banqueta de prata sobredoirada e castiçais da mesma para todos os altares, turíbulo e naveta, e um sino.»"
(Páginas 291 e 292)
[Mário Domingues. D. João V O Homem e a sua Época. Prefácio – Edição de Livros e Revistas Lda. s/data (2005?) Sem indicação de edição.]
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