Cavacos das Caldas
CAVACOS DAS CALDAS II

DICIONÁRIO GRÁFICO BORDALIANO

alguns livros, cerâmicas, belos gatos e algo mais...



quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Preito de Homenagem

Lá fora um chuva fininha cai sobre as pessoas que num passo apressado caminham lutando com os chapéus que o vento teima em revirar.

A gata que dorme no seu canto abre um olho numa interrogação. Que se passa por aqui que incomoda o meu descanso?

Ele entra com ar decidido, passa as mãos pelos ombros a dispersar umas quantas gotas de chuva, equilibra melhor o monóculo no olho direito, engelha o nariz e diz, alto e em bom som:

- "Estão à minha espera, não é verdade?"

Surpreendida e encabulada, articulo com dificuldade meia dúzia de palavras:

- Estávamos sim, mas não o esperávamos tão cedo…

- "Sempre gostei de surpresas! Vim mais cedo porque quero saber o que por aqui se passa. Já dei por aí umas voltas. Desci pela rua que tem o meu nome, passei pelo hospital, dei uma volta pelo parque, subi à praça, caminhei por esta rua aqui em frente e reconheci logo este prédio. Mudaram os azulejos mas a fachada está quase na mesma. E entrei."

Senta-se, olha para mim e apercebo-me das rugas marcadas no seu rosto, amenizado por um certo ar zombeteiro e o seu bigode farfalhudo e bem aparado, apresenta, aqui e ali, levíssimos traços brancos.

Predominante, a sua poupa formada por um cem número de caracóis artisticamente armados, confere-lhe um ar de dandy, simultaneamente elegante e sedutor.

Entrementes o gato abeira-se e queda-se a ouvir-nos.

Conversamos sobre tudo e sobre todos. Confesso-lhe o quanto lamento o facto de não o ter por cá a desenhar esta nossa realidade, por vezes tão irreal.

Que grandes páginas paródicas podia assinar!


Segredo-lhe que podemos queixar-nos de muitas coisas, menos da existência de situações e/ou personagens burlescas; essas não nos faltam; até as temos em demasia.

E ali estávamos em íntima cavaqueira quando, silenciosa e sorrateiramente, o gato salta-lhe para o colo e logo se aninha enrolando-se sobre si mesmo, numa atitude de entrega total.

Enquanto isto, na rua a chuva chove a bom chover.


Divagação a partir das obras de:

Carlos Constantino que modelou em barro um busto de Bordalo Pinheiro e de Carlos Moreira que o desenhou acompanhado do gato Gil Vicente, a partir de uma fotografia de RBP datada de 1874/5.

Busto e ilustração feitas em homenagem a Rafael Bordalo Pinheiro, 105 anos decorridos após a sua morte, ocorrida a 23 de Janeiro de 1905.

Ambas as obras podem ser admiradas na Loja 107, que agradece a amizade e elogia a criatividade dos dois Carlos.

1 comentário:

Isabel X disse...

Parabéns aos Carlos e, mais ainda ao que é Constantino, pelo Bordalo em barro, como o próprio gostaria, quase-vivo. O entusiasmo da Isabel Castanheira contamina muita gente e a criatividade aí está a comprová-lo: na 107, pois claro. Onde é que havia de ser?
- Isabel X -