Muito bom dia.
Desafiada pelo Luis Elias a dizer umas palavras na abertura desta Exposição dedicada à sua família, com particular incidência na obra do seu pai – Herculano Elias – foi com muito agrado que acedi ao convite, tanto pela admiração que tenho pelo Artista como pela amizade que sinto pelo Homem.
Do meu imaginário infantil, antes de menina e moça ter sido levada pelos meus pais para longes terras, faz parte um certo número de recordações caldenses, que pairam na ténue fronteira entre a realidade e a ficção. Permitam-me partilhar convosco algumas dessas memórias de infância.
Lembro, por exemplo as tardes de brincadeira vividas no Parque que, à data, ainda era povoado por alguns dos fantásticos animais do universo bordaliano. Ao entardecer, de regresso a casa pela mão da minha mãe, o nosso percurso passava invariavelmente pela Praça da Fruta, cujo empedrado testemunhava as derradeiras correrias do dia.
Seguíamos depois Rua das Montras afora e quase no seu final, à esquerda, quedava-me ante a montra de uma pastelaria. E por muito estranho que isso possa parecer, não eram as bolas de Berlim, os éclairs ou os pastéis de nata que me deixavam colada aos vidros da referida montra.
Eram sim, umas figuras pequeninas, brancas, e aparentemente frágeis que, do outro lado do vidro, despertavam a minha curiosidade e o meu desejo de tocá-las, como se de brinquedos se tratasse.
Belas, delicadas e minúsculas ali estavam elas ao alcance do meu olhar mas inacessíveis ao meu toque.
Passaram-se os anos…
E após longas páginas lidas no livro da vida, pontuadas por episódios de partidas e de regressos que terminaram no acolhimento por parte das terras caldenses, aqui reencontrei essas tais pequenas figurinhas que constituíam uma imagem feliz da minha primeira infância.
E conheci o seu autor: Herculano Elias.
Mestre Herculano Elias é o herdeiro do nome e dos saberes de uma insigne família de miniaturistas cerâmicos, que desde o último quartel do século XIX, tem vindo a enriquecer a digna e nobre arte do barro caldense. É autor de uma vasta obra de que se destacam as suas miniaturas, ilustrativas dos hábitos, costumes e afazeres do povo e que constituem uma verdadeira galeria etnográfica a que a sua liliputiana dimensão confere uma original singularidade.
Vejamos, por exemplo:
- A vendedora da praça que oferece as maçãs dispostas num cesto de vime colocado aos seus pés; - O saloio apoiado ao cajado retirando dos alforges suportados pelo burro os legumes e as flores colhidas ao nascer do sol;
- O pastor que toca o seu rebanho a caminho do pasto; - A junta de bois puxando a carroça carregada com as pipas do bom vinho saído dos lagares;
- O casal de campónios que encaminha a vara para o recinto da feira; - Os pescadores a conduzir os bois que puxam para terra o barco regressado, em boa hora, da faina do mar.
E estas outras:
- A montada ao javali com os cavaleiros a incitarem a matilha no encalço da caça;
- Os cavalos livres e belos que correm voando de crinas ao vento pelas pradarias alentejanos;
- Os campinos de varapau em riste cavalgando no rasto dos toiros que vagueiam pelas lezírias.
E ainda:
- Os forcados que, com galhardia e destreza, pegam de caras os toiros, sendo que esta cena está montada nas abas largas de um chapéu à mazantino.
- Os vários pares rodopiando num ritmo bem alegre ao som de uma música que se quer popular; realce-se que um ou outro se enlaçam um pouco mais, sem contudo esquecerem a batida compassada dos pés.
- E como não referir a recriação de uma das mais emblemáticas obras do pintor Malhoa, o Fado, perante a qual esperamos ver, a qualquer momento, o chinelo cair do pé da mulher que numa atitude displicente, escuta o choro da guitarra…
Muito mais haveria a dizer sobre o trabalho do Mestre Herculano Elias, mas não me compete a mim, a quem faltam o engenho e o saber, fazer a avaliação artística e técnica de uma obra que se estende por mais de seis décadas de trabalho e dedicação.
Se alguma dúvida houvesse sobre o apreço, o carinho e a consideração que me merece a obra de Herculano Elias, bastava lembrar que partilhamos a admiração, o gosto e o respeito pela obra do inigualável Rafael Bordalo Pinheiro.
A este propósito, permitam-me que partilhe convosco algumas impressões sobre a sua alegoria a Rafael Bordalo Pinheiro. Trata-se de uma peça encimada por um anjo protector de asas abertas a resguardarem um Rafael sentado, de boina e fato de trabalho, com uma das mãos a apoiar o queixo, numa atitude de reflexão, e com o olhar perdido em cogitações…
Rodeiam-no as suas mais emblemáticas figuras de movimento: o Cura, o Sacristão, a Ama das Caldas, o Polícia de Giro e a Maria. O Zé-Povinho, por seu turno, sempre interventivo e inconformado, brinda-nos com um manguito.
É assim a obra de Mestre Herculano Elias: construída por cerâmicas e por afectos. Junto a mim, partilhando das alegrias e das tristezas dos meus dias, tenho a companhia de um busto de Bordalo Pinheiro, modelado pelas mãos de Herculano Elias, que o Mestre me ofereceu.
Sorte a minha: dois grandes nomes da cerâmica caldense numa obra só; e minha.
Mestre Herculano Elias: a terminar um agradecimento e um desejo. Agradecer-lhe toda a sua obra, de que nós os caldenses muito nos orgulhamos e expressar o meu desejo de que continue a contemplar-nos por muitos e muitos anos, com as suas pequeninas esculturas que tornam grande a sua obra.
Caldas da Rainha, 26 de Março de 2011
Desafiada pelo Luis Elias a dizer umas palavras na abertura desta Exposição dedicada à sua família, com particular incidência na obra do seu pai – Herculano Elias – foi com muito agrado que acedi ao convite, tanto pela admiração que tenho pelo Artista como pela amizade que sinto pelo Homem.
Do meu imaginário infantil, antes de menina e moça ter sido levada pelos meus pais para longes terras, faz parte um certo número de recordações caldenses, que pairam na ténue fronteira entre a realidade e a ficção. Permitam-me partilhar convosco algumas dessas memórias de infância.
Lembro, por exemplo as tardes de brincadeira vividas no Parque que, à data, ainda era povoado por alguns dos fantásticos animais do universo bordaliano. Ao entardecer, de regresso a casa pela mão da minha mãe, o nosso percurso passava invariavelmente pela Praça da Fruta, cujo empedrado testemunhava as derradeiras correrias do dia.
Seguíamos depois Rua das Montras afora e quase no seu final, à esquerda, quedava-me ante a montra de uma pastelaria. E por muito estranho que isso possa parecer, não eram as bolas de Berlim, os éclairs ou os pastéis de nata que me deixavam colada aos vidros da referida montra.
Eram sim, umas figuras pequeninas, brancas, e aparentemente frágeis que, do outro lado do vidro, despertavam a minha curiosidade e o meu desejo de tocá-las, como se de brinquedos se tratasse.
Belas, delicadas e minúsculas ali estavam elas ao alcance do meu olhar mas inacessíveis ao meu toque.
Passaram-se os anos…
E após longas páginas lidas no livro da vida, pontuadas por episódios de partidas e de regressos que terminaram no acolhimento por parte das terras caldenses, aqui reencontrei essas tais pequenas figurinhas que constituíam uma imagem feliz da minha primeira infância.
E conheci o seu autor: Herculano Elias.
Mestre Herculano Elias é o herdeiro do nome e dos saberes de uma insigne família de miniaturistas cerâmicos, que desde o último quartel do século XIX, tem vindo a enriquecer a digna e nobre arte do barro caldense. É autor de uma vasta obra de que se destacam as suas miniaturas, ilustrativas dos hábitos, costumes e afazeres do povo e que constituem uma verdadeira galeria etnográfica a que a sua liliputiana dimensão confere uma original singularidade.
Vejamos, por exemplo:
- A vendedora da praça que oferece as maçãs dispostas num cesto de vime colocado aos seus pés; - O saloio apoiado ao cajado retirando dos alforges suportados pelo burro os legumes e as flores colhidas ao nascer do sol;
- O pastor que toca o seu rebanho a caminho do pasto; - A junta de bois puxando a carroça carregada com as pipas do bom vinho saído dos lagares;
- O casal de campónios que encaminha a vara para o recinto da feira; - Os pescadores a conduzir os bois que puxam para terra o barco regressado, em boa hora, da faina do mar.
E estas outras:
- A montada ao javali com os cavaleiros a incitarem a matilha no encalço da caça;
- Os cavalos livres e belos que correm voando de crinas ao vento pelas pradarias alentejanos;
- Os campinos de varapau em riste cavalgando no rasto dos toiros que vagueiam pelas lezírias.
E ainda:
- Os forcados que, com galhardia e destreza, pegam de caras os toiros, sendo que esta cena está montada nas abas largas de um chapéu à mazantino.
- Os vários pares rodopiando num ritmo bem alegre ao som de uma música que se quer popular; realce-se que um ou outro se enlaçam um pouco mais, sem contudo esquecerem a batida compassada dos pés.
- E como não referir a recriação de uma das mais emblemáticas obras do pintor Malhoa, o Fado, perante a qual esperamos ver, a qualquer momento, o chinelo cair do pé da mulher que numa atitude displicente, escuta o choro da guitarra…
Muito mais haveria a dizer sobre o trabalho do Mestre Herculano Elias, mas não me compete a mim, a quem faltam o engenho e o saber, fazer a avaliação artística e técnica de uma obra que se estende por mais de seis décadas de trabalho e dedicação.
Se alguma dúvida houvesse sobre o apreço, o carinho e a consideração que me merece a obra de Herculano Elias, bastava lembrar que partilhamos a admiração, o gosto e o respeito pela obra do inigualável Rafael Bordalo Pinheiro.
A este propósito, permitam-me que partilhe convosco algumas impressões sobre a sua alegoria a Rafael Bordalo Pinheiro. Trata-se de uma peça encimada por um anjo protector de asas abertas a resguardarem um Rafael sentado, de boina e fato de trabalho, com uma das mãos a apoiar o queixo, numa atitude de reflexão, e com o olhar perdido em cogitações…
Rodeiam-no as suas mais emblemáticas figuras de movimento: o Cura, o Sacristão, a Ama das Caldas, o Polícia de Giro e a Maria. O Zé-Povinho, por seu turno, sempre interventivo e inconformado, brinda-nos com um manguito.
É assim a obra de Mestre Herculano Elias: construída por cerâmicas e por afectos. Junto a mim, partilhando das alegrias e das tristezas dos meus dias, tenho a companhia de um busto de Bordalo Pinheiro, modelado pelas mãos de Herculano Elias, que o Mestre me ofereceu.
Sorte a minha: dois grandes nomes da cerâmica caldense numa obra só; e minha.
Mestre Herculano Elias: a terminar um agradecimento e um desejo. Agradecer-lhe toda a sua obra, de que nós os caldenses muito nos orgulhamos e expressar o meu desejo de que continue a contemplar-nos por muitos e muitos anos, com as suas pequeninas esculturas que tornam grande a sua obra.
Caldas da Rainha, 26 de Março de 2011
Palavras lidas na inauguração da Exposição da Família Elias.
1 comentário:
Boa tarde
Por um acaso dei com este blogue muito interessante. Tenho em meu poder um confessionário com a assinatura do Mestre Eduardo Mafra Elias. Uma peça muito interessante e de grande valor.
Cumprimentos
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