Cavacos das Caldas
CAVACOS DAS CALDAS II

DICIONÁRIO GRÁFICO BORDALIANO

alguns livros, cerâmicas, belos gatos e algo mais...



domingo, 13 de maio de 2012

D. João V nas Caldas da Rainha



Café Literário

Carlos Querido


Foyer
Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha [www.ccc.eu.com]

Dia 13 de maio 17,00 Horas


Reza uma gazeta manuscrita da época, que no dia 10 de Maio de 1742 D. João V despachava o expediente do reino quando “lhe sobreveio um estupor que o privou dos sentidos, e ficou leso da parte esquerda, e com a boca à banda”.
Este acontecimento está na origem de 13 deslocações que o rei fará à vila das termas, em busca da cura nas águas mais famosas do reino.
A primeira visita ocorre no Verão de 1742 e será a mais marcante.
Toda a corte foi notificada para comparecer na vila termal. À frente, segue o arquitecto João Frederico Ludovice para organizar o alojamento da família real e da corte e o Cardeal da Cunha para benzer as estradas. Na vila das Caldas disponibilizam-se 62 moradias de particulares, para condigna instalação do rei e da corte, para além das quintas dos arredores.
São expedidas ordens às vilas vizinhas para que enviem trabalhadores para o conserto dos caminhos e calçadas.
Constroem-se palácios e casas de campo de madeira para garantir o conforto do real enfermo. O rei chega às Caldas da Rainha no dia 10 de Julho e a pequena vila saboreia nesse Verão o estatuto breve de capital do império.
O Folheto de Lisboa descreve com pormenor a viagem do rei. Vestido de preto, com longa e volumosa cabeleira branca, atravessa a ponte da Casa da Índia e acena gravemente às mulheres da Ribeira e mais povo que se juntou em frente do Paço.
A peruca, que lhe confere um ar venerando e solene, foi importada de terras de França, da corte de Luís XIV, como muitos outros hábitos com que tentou fazer da corte lusa uma imitação, ainda que pálida, do brilho intenso de Versalhes.
No Tejo aguardam quatro escaleres que hão-de seguir em procissão. Uma pequena embarcação de oito remos transporta na popa a imagem de Nossa Senhora das Necessidades e as relíquias de S. Vicente Mártir e do Patriarca S. Bento. Seguirá na frente, próxima e visível, para tranquilizar e proteger o soberano de alguma tempestade que a amenidade do rio e dotempo não deixam prever.
Segue-se o escaler do soberano, de 40 remos, com a sua comitiva mais íntima: o príncipe herdeiro D. José, os infantes D.Pedro e D. António, Frei Gaspar da Encarnação, o padre jesuíta João Baptista Carbone, o médico Manuel Dias Ortigão, o cirurgião António Soares Freire e um criado com funções de estribeiro menor.
Os aposentos do rei e da rainha situam-se do lado nascente e poente da ermida de S. Sebastião, onde começa a Rua do Cabo da Vila. O rei, o príncipe e o infante D. Pedro ocupam as Casas do Dr. António Moreira de Lima, a rainha e a princesa do Brasil ocupam as casas do desembargador João de Proença. Entre estas habitações, por detrás da ermida, há um passadiço construído em madeira.
O Cardeal da Cunha (Inquisidor-mor) assiste nas casas de José da Mata, na Rua do Cabo da Vila, bem perto da Igreja de S. Sebastião e dos aposentos reais. O Cardeal da Mota e os três secretários de estado ocupam três casas no topo da Rua Nova, junto ao Largo e à Igreja do Espírito Santo. O Duque do Cadaval, mordomo-mor, D. Jaime Álvares Pereira de Melo, está hospedado na Casa Real em que assistiu a rainha fundadora, onde o rei não ficou por não ter comodidades adequada à sua doença. O Marquês mordomo-mor encontra-se instalado junto ao Terreiro das Gralhas, também conhecido por Rossio Pequeno.
Ninguém ousa desobedecer à convocatória do rei, e todos os dignitários da corte comparecem na vila.
A comitiva do infante D. Francisco, de lendária crueldade imortalizada por José Saramago no Memorial do Convento, não chega à vila, detendo-se a meia légua de distância, em Vale de Flores, nas Gaeiras, na quinta de Bernardo Freire de Sousa, que veio a ser denominada Quinta das Janelas e a pertencer a Faustino da Gama. Ali morre o infante de congestão, na noite de 21 de Julho de 1742. Na corte das Caldas há luto sem consternação. Nos arredores de Queluz a população viverá atemorizada durante muitos anos, por acreditar que a alma do infante em expiação dos pecados passa as noites a penar na quinta que lhe pertenceu.
O infante D. Manuel, herói reconhecido e celebrado nas cortes europeias por ter lutado ao serviço do Príncipe Eugénio e do imperador da Áustria, acomoda-se na Quinta da Foz, pertencente a Filipe de Alarcão Mascarenhas Sotomaior, que foi Governador e Capitão General da Ilha da Madeira.
O infante D. António, irmão mais próximo do rei, hospeda-se na Quinta dos Pinheiros, pertencente a José da Serra de Moraes.
Frei Gaspar da Encarnação, homem de confiança do rei, a quem este confiou a tutela dos seus três filhos varões nascidos de relações amorosas que manteve com três freiras do convento de Odivelas (chamados meninos e Palhavã), trouxe-os para a quinta de Silvério da Silva da Fonseca, alcaide-mor da vila de Alfeizerão, parente do cardeal patriarca D. Tomás de Almeida.
Nas Caldas, no dia 6 de Agosto de 1742, o rei subscreve o documento de reconhecimento, que no seu início reza assim:
«Por entender que sou obrigado, declaro que tenho três filhos ilegítimos de mulheres limpas de todo o sangue infecto…».
O esplendor do rei, magnânimo e absoluto, projecta-se nas cerimónias litúrgicas realizadas na Igreja de Nossa senhora do Pópulo, nas esmolas generosas que distribui a esmo para prosperidade do clero e salvação da sua alma, e nas obras que hão-de mudar de􀃶nitivamente a face da vila termal: reedificação do Hospital, construção de três chafarizes, construção dos Paços do Concelho, cadeia e açougue da vila.
D. João V assume como nenhum dos seus antecessores a dimensão religiosa da liturgia do poder, consciente do deslumbramento do povo com o esplendor das cerimónias e procissões que glorificavam a monarquia, tendo obtido de Roma a criação do patriarcado de Lisboa e o título de Fidelíssimo que o elevará junto da Cúria a uma dignidade nunca antes alcançada pela monarquia portuguesa.
Para a humilde vila termal, que tem na sua génese a simplicidade da água e do barro, a presença da família real e de toda a corte naquele Verão de 1742 é motivo de profundo orgulho que há-de perdurar na memória e nos escritos da época. É esse momento mágico e breve que revisitamos.


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“A vinda de D. João V e da corte e as profundas alterações que provocou na vila das termas”
Café Literário - Foyer 17h00 - Carlos Querido - Dia 13 de Maio
Caldas, Capital do Reino de Verão de 1742, por Carlos Querido
A vinda de D. João V e da corte e as profundas alterações que provocou na vila das termas dá tema à palestra que será proferida pelo juiz desembargador Carlos Querido, autor de várias obras do domínio do património histórico - cultural.
O autor irá conduzir os presentes numa jornada sobre diversos temas, desde a antiguidade até ao reinado de D. João V, mais especi􀃶camente até ao ano de 1742 e à sua viagem que marcou definitivamente a vila das termas.
Carlos Querido além de juiz desembargador é ainda colaborador da Gazeta das Caldas e responsável por várias rubricas relacionadas com Direito, Justiça e História Local.

1 comentário:

Luis Eme disse...

é sempre bom saber que os "cafés Literários" continuam e ainda por cima com um caldense.