Andorinhas de Rafael Bordalo Pinheiro
"As vezes acordo antes de as andorinhas e apanho-as a dormir, já o sol nasceu bem nascido. Dormem enfiadas umas nas outras, aninhando as cabeças e as asas. Não parecem andorinhas. Parecem bolas pretas, equilibristas, tratando o fio telefónico como um colchão.
Embora eu abra devagarinho a janela do meu escritório, elas, que estão a menos de um metro da minha cabeçorra, dão sempre por mim. Não acordam depressa: demoram um bocadinho a desenfiar-se e a recompor-se, para que se perceba bem que houve sonos interrompidos e que estão maldispostas.
Antes de descolarem numa gritaria zangada, viram-me ostensivamente as costas. Vão instalar-se no fio da casa em frente, para me fazer ciúmes. Também não percebo porque é que não têm ninhos para onde ir. Já é Julho, senhoras e senhores.
Serão andorinhas sem abrigo? As que ficaram para tias? Não deve ser porque quase todas dormem em casal. Anteontem eram três bolas pretas e, mesmo ao lado, uma andorinha solitária, que fazia pena, por não ter com quem se aconchegar. Mas estava perto dos casais, como um solteirão em casa duns amigos, a dormir no sofá.
Quando são as andorinhas que me acordam a mim, o tratamento que recebo já é outro. Desfilam à minha frente, quando me ponho à janela. Ou entram até onde estou a escrever e ficam suspensas diante de mim, a fazerem abracinhos com as asas. É como se se apresentassem. Ou agradecessem. As andorinhas gostam quando se abre uma janela: aumenta-lhes o mundo."
Miguel Esteves Cardoso
Público, Sexta feira, 9 de Julho de 2010.
1 comentário:
O texto é bonito mas gosto mais das andorinhas soltas, sem se enovelarem, voando de asas abertas, sem serem surpreendidas no sono, em plenitude: as andorinhas da imagem!
Lindo post!
- Isabel X -
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